Wednesday, September 20, 2006

Todos contra Mário Palmério



André Azevedo da Fonseca

Neste dia 24 de setembro completam-se 10 anos da morte de Mário Palmério, uma figura emblemática para se compreender a história contemporânea do Triângulo. Nascido em Monte Carmelo, Palmério foi pioneiro na criação de instituições de ensino superior na região quando fundou, em 1947, a Faculdade de Odontologia – o embrião da atual Uniube. Suas faculdades trariam milhares de estudantes a Uberaba, transformariam a economia da cidade e promoveriam intenso intercâmbio regional. Em 1950, para o assombro das elites políticas locais, foi eleito deputado federal e tornou-se o principal líder trabalhista da região. Em 1956 escreveu Vila dos Confins, romance importante da moderna literatura brasileira, e virou celebridade nacional. Nos anos 60 foi embaixador, publicou Chapadão do Bugre e tornou-se imortal da Academia. Depois de morar 9 anos na Amazônia, participou ativamente da história de Uberaba como reitor da Uniube.

Contraditoriamente, talvez por seu temperamento tido como autoritário, arrogante e brigão, Palmério foi também uma das figuras mais detestadas de Uberaba. E essa histórica repulsa a Mário Palmério parece ter se tornado uma particularidade cultural nessa cidade que Orlando Ferreira chamou de Terra Madrasta. Mas ao pesquisar o contexto da política local nos anos 50 foi possível perceber quatro elementos da gênese dessa relação de amor e ódio que se desenvolveu no imaginário da cidade. Vejamos.

1) O Liceu do Triângulo, de Mário Palmério, foi nos anos 40 uma das raras escolas particulares que não eram ligadas ao catolicismo. Além disso, a igreja católica, que dominava o ensino privado, defendia que o Estado não deveria criar escolas públicas, mas sim apoiar iniciativas de ensino particular. Como a bandeira de Palmério na campanha de 1950 era a criação da Universidade Federal do Triângulo Mineiro, os católicos passaram a expressar antipatia à plataforma do petebista. Mais tarde essa antipatia seria transferida também às suas faculdades, que passaram a ser chamadas de “tecnicistas” em comparação às universidades ligadas à igreja, tidas como “humanistas”.

2) Na campanha de 1950, o diretório local do PTB, liderado por Antônio Próspero e Mário Palmério, passou a disputar com o PSP, do prefeito Boulanger Pucci, quem recepcionaria Getúlio Vargas em Uberaba. Palmério e os petebistas venceram a disputa e humilharam Pucci. Mas na manhã em que Getúlio desembarcou, Pucci sofreu um atentado à tiros e imediatamente o PSP acusou nos jornais que o mandante era Mário Palmério. Essa foi a primeira de muitas calúnias motivadas por interesses eleitorais.

3) Nas eleições de 1958 o Correio de Uberlândia publicou editoriais dizendo que Mário Palmério era inimigo público nº 1 daquela cidade, pois nas campanhas anteriores ele prometera levar faculdades para a região, mas as instalava apenas em Uberaba. No entanto, o jornal pertencia a udenistas – logo, as críticas eram mais partidárias do que políticas. Além disso, Uberlândia contava com dois representantes na Câmara: Rondon Pacheco (UDN) e Vasconcelos Costa (PSP).

4) Ainda hoje corre à boca pequena em Uberaba que Mário Palmério não seria o autor de Vila dos Confins e teria pago alguém para escrever o livro. Essa difamação é fruto daquela mesma ardileza política, pois era muito difícil para os feudos partidários locais engolirem o sucesso literário nacional de um triangulino imbatível nas urnas. Assim, para desmerecê-lo, inventou-se a maledicência que ganhou livre curso entre aqueles que por algum motivo não gostavam de Mário Palmério.

Consta-se que Mário Palmério, depois de tudo, morreu magoado com Uberaba. Mas sabe-se também que vez ou outra ironizava essa aversão com uma frase antológica: – Não sei por que ele está com raiva de mim. Nunca fiz nenhum bem a ele...

Como conhecer o caráter dos candidatos?

André Azevedo da Fonseca

Períodos eleitorais tornaram-se um dos momentos mais despolitizados da vida em sociedade. O espetáculo publicitário onde os aspirantes a cargos públicos anunciam seus slogans não promove a cidadania, não conscientiza, não educa e não estimula o envolvimento efetivo da comunidade na política. Ao contrário, essas propagandas tendem a confundir os cidadãos; pois não importa o candidato, todas reproduzem as mesmas idéias genéricas sobre os mesmos temas, todas defendem os mesmos compromissos gerais referente aos mesmos programas e, o que é pior, todas personalizam a política, como se as conquistas sociais fossem obras exclusivas da atuação de um só sujeito. Isso é a contramão da democracia moderna, que fundamenta-se na participação cada vez maior da coletividade nas decisões de Estado.

Assim, sejamos claros: não é possível escolher os representantes com base em suas próprias campanhas publicitárias. Candidatos não falam nas propagandas que suas gestões anteriores estão sob suspeita; não explicam suas ligações com escândalos como o mensalão ou a máfia dos sanguessugas; não tornam claros os casos de corrupção que ocorreram sob sua administração; escondem que são indiciados como réus em processos na Justiça Federal, nos tribunais superiores, na Justiça Eleitoral ou nos Tribunais de Contas... a lista é longa.

Algum coisa nesse sentido podemos descobrir conferindo sites como o da ONG Transparência Brasil (http://www.transparencia.org.br), que possui um importante banco de dados sobre dezenas de políticos profissionais, contendo informações tais como a identidade dos doadores de campanha; o desempenho legislativo (incluindo faltas, uso de verbas de gabinete, etc); as menções publicadas na mídia quando aparecem ligados a casos de corrupção, além de outras informações relevantes. Outra boa fonte de pesquisa é o próprio site da Câmara Federal, onde é possível conferir, no endereço http://www2.camara.gov.br/proposicoes quais foram os projetos de lei realmente apresentados pelos deputados, se eles trabalharam mesmo ou se apenas estão fazendo propaganda enganosa em suas campanhas.

No entanto, há uma outra medida que é mais difícil de ser mensurada, mas que pode ser reveladora: sempre vale a pena conversar com empregadas domésticas, jardineiros, motoristas, secretárias ou ex-assessores e ex-funcionários para descobrir o que os políticos profissionais realmente falam no seu dia-a-dia. O que se diz é que, em geral, eles jamais falam em projetos para transformar a sociedade. Nunca conversam sobre formas institucionais de promover justiça social. Não fazem referências sobre mobilização política das comunidades para exigir melhorias sociais. Os únicos assuntos ditos “políticos” giram em torno das táticas partidárias de conquista do poder, da melhor forma de caluniar o adversário, da maneira mais eficaz de forjar uma imagem favorável na imprensa, nas vantagens em se apoiar este ou aquele político profissional, e a conversa fica por aí. É o poder pelo poder. Mais ou menos como descreveu Mário Palmério em Vila dos Confins.

Mas quem são esses sujeitos que de dois em dois anos saem às ruas nos pedindo um cargo público? O que eles realmente querem? Que tipo de prazer eles sentem sendo políticos profissionais? E o que essas pessoas entendem por “política”? O que entendem por “democracia”? E enfim, como conhecer, de verdade, o caráter dessas pessoas que nos pedem votos? Seria muito interessante, mas muito interessante mesmo, travar um debate sobre isso.