Jornalista Eduardo Palmério satirizou os costumes burgueses em milhares de artigos na imprensa brasileira
André Azevedo da Fonseca
Neste dia 24 de maio, o jornalista Eduardo Palmério, o impagável crítico da burguesia paulista e carioca dos anos 40 a 60, completaria 100 anos. Irmão mais velho do escritor Mário Palmério, Eduardo nasceu na cidade de Sacramento, no Triângulo Mineiro, em 1906, mas no final da década de 10 mudou-se com a família para Uberaba. Na juventude foi morar no Rio de Janeiro para estudar Odontologia e ficou deslumbrado com a produção cultural carioca, manifestada sobretudo na imprensa da capital. De volta a Uberaba, seu entusiasmo pelos livros levou o jovem dentista a fundar a Livraria ABC, que nos anos seguintes tornou-se um movimentado ponto de encontro dos intelectuais uberabenses.
O combate a favor da leitura seria um tema sempre presente nas crônicas que viria a escrever na imprensa paulista. Em um artigo publicado na década de 40, Palmério manifestaria seu entusiasmo perante o fato de que os livros custavam relativamente pouco naquela época. “Pode-se morrer de fome no Brasil por falta de dinheiro para comprar comidas, mas ninguém morre de burrice por falta de dinheiro para comprar livros”, dizia. Para demonstrar sua tese, Palmério comparou alguns preços: “Um romance de Eça de Queiroz vale bem mais do que um quilo de bacalhau, e custa bem menos”, contabilizava, lembrando também que era possível encontrar, nos sebos paulistas, livros de Jorge Amado pelo custo de “dois palmos de lingüiça” e cartilhas escolares pelo preço de um maço de cigarros. Para ele, o problema era que as pessoas, em geral, não davam valor aos livros. O próprio político mineiro Benedito Valadares, ironizava, era desses que não entrava em livraria nem para se esconder da chuva. Sua conclusão para esse caso é antológica: “Ninguém é burro por falta de dinheiro, – a maioria o é por excesso...”
Ainda em Uberaba, na década de 20, o animado Eduardo Palmério já escrevia regularmente nos jornais locais, como o Lavoura & Comércio, O Triângulo e o Correio Católico. Ele chegou a fundar seu próprio periódico, mas era uma coisa pequena, e não foi para frente. Somente após 1943, quando mudou-se definitivamente para São Paulo, é que passou a dedicar-se integralmente ao jornalismo.
Eduardo Palmério tornou-se um comentarista deliciosamente satírico ao refletir sobre os costumes de granfinos, empresários e políticos em suas colunas. Talvez mais por diversão do que por algum receio em assinar seus textos, Palmério passou a adotar vários pseudônimos. O mais famoso deles era “Camarada Lorotoff”, uma dupla zombaria com a retórica anti-comunista e ao mesmo tempo com a lorota comunista. Com esse pseudônimo, Palmério publicou, em 1948, o livro “A Grande Mamata”, uma série de reportagens hilárias sobre a indústria do leite.
No ano seguinte, reuniu seus melhores artigos e publicou a antologia “100 comentários”. Em 1951 lançou “Solteiros no civil e no religioso”, seu primeiro romance, todo encenado no ambiente característico dos jornais paulistanos da velha guarda. Eduardo Palmério lançaria ainda, pela editora José Olympio, o romance “A noite é nossa”, sempre com aquele espírito bolchevista anárquico, atento ao ridículo das convenções e das máscaras sociais que procuram maquiar a violência das injustiças na sociedade.
Eduardo Palmério continuou escrevendo e publicando até as vésperas de sua morte, no dia 4 de janeiro de 1976, aos 69 anos de idade. Uma das grandes características de toda a sua carreira jornalística foi o caráter eminentemente ético de seus artigos. Em seus textos satíricos fica evidente a crítica social e o esforço para se pensar uma nova ordem para o Brasil. E para não deixar dúvidas sobre o propósito de sua produção intelectual, essa disposição ficou registrada pelo próprio autor, no prefácio que ele mesmo escreveu para um de seus livros:
“Afirmam os homens ‘sensatos’ que é perigoso mudar a ordem natural das coisas. Mas pergunto: essa ordem é natural? Acredito que, no desejo de melhorar nossas condições particulares ou gerais, toda insensatez é perfeitamente justificada. Mais vale errar por conta própria do que deixar que acertem por nós.”
Este foi o Camarada Lorotoff!
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